sexta-feira, 18 de maio de 2012

Poeta Roberto Piva

   No Dia 26 de Maio de 2012, para celebrar o encerramento do nosso projeto,  faremos uma homenagem ao Poeta Roberto Piva, o poeta está fazendo uma contribuição póstuma a nossa exposição Coletiva Santa Cecília, Santa Insone com o poema "Rua das Palmeiras", ao visitar a exposição você poderá ouvir a gravação do próprio poeta recitando a obra em uma atmosfera envolvente ao som de jazz e seu chocalho.
   Falecido em Julho de 2010, Roberto Piva, que morou muitos anos no bairro, ganhou uma rua na Santa Cecília com seu nome, localizada na Saída  do Terminal Amaral Gurgel, entre a Rua Helvétia e Ana Cintra. A rua foi decretada em 2011, porém ainda não possui a placa com seu nome. Faremos uma pré inauguração da Rua, com um cortejo de Maracatu do Grupo Coro de Carcarás e intervenções com artistas do bairro, a concentração ocorrerá as 17hs em frente a Igreja Santa Cecília e o cortejo caminhará pela Rua Roberto Piva, e por outras ruas do bairro
   Para quem ainda não conhece o Piva, nada melhor para começar a apresentar o poeta, do que exibir aqui imagens dele exercendo seu  ofício. Neste curta de Jairo Ferreira, Piva lê poesias junto com seus amigos Roberto Bicelli, Cláudio Willer, Luiz Fernando Ramos e Eduardo Gianetti




  A genealogia poética de Roberto Piva apresenta raízes e inclui influências muito raras na literatura brasileira, formando uma mistura-fina que é única por sua erudição, mas também por sua transgressão. Começa com Dante Alighieri. Ainda na década de 60, por três anos Piva aprofundou-se nos estudos da Divina Comédia, orientado por Eduardo Bizzarri, adido cultural do Consulado da Itália em São Paulo. Esse contato com Dante foi como seu imprinting poético-filosófico: marcou para sempre sua visão de mundo, sua política e sua poesia.
   
  Ao conhecer os poetas metafísicos ingleses, sobretudo William Blake, Piva começou a aprofundar sua experiência mais direta com o sagrado e a vida interior.

   A entrada em cena de Hölderlin e dos poetas expressionistas alemães Gottfried Benn e Georg Trakl temperaram essa experiência com uma ponta de pessimismo, que deixou de ser circunstancial quando, ainda na década de 60, Roberto Piva teve contato com a obra de um filósofo praticamente desconhecido,  no Brasil do período: Friedrich Nietzsche.

  À experiência juvenil de Piva agregou-se a contundência desse profeta pessimista e decifrador da alma moderna. Mas nem só de espírito, nem só de intelecto fez-se o  aprendizado juvenil de Roberto Piva, que cedo descobriu Rimbaud e Lautréamont, recebendo a influência desses dois poetas visionários, que extrapolam os limites da expressão racional e das escolas literárias.
   
   A partir daí iniciou-se em sua vida o cultivo do rimbaudiano “desregramento de todos os sentidos” para se chegar à poesia. Das vanguardas do começo do século 20, Roberto Piva absorveu lições do surrealismo, na vertente francesa de André Breton, Antonin Artaud e René Crevel. É um dos três únicos poetas brasileiros a constar no famoso Dicionário Geral do Surrealismo, publicado na França. A partir de Artaud, Piva incorporou a idéia de que existe um compromisso absoluto entre poesia e vida. 
  
   O dito artaudiano “para conhecer minha obra, leia-se minha vida” teve em Piva a contrapartida: “só acredito em  poeta experimental que tem vida experimental”. Também é flagrante em sua poesia a influência dos futuristas italianos (com seu culto à fragmentação moderna), acrescida de algumas expressões musicais da contemporaneidade do pós-guerra, através da onipresente marca do jazz e da bossa nova, duas fidelíssimas paixões de Roberto Piva.  Mas há mais duas fortes presenças contemporâneas em sua poética. Uma é a beat generation americana, da qual Piva não só absorveu a estilística fragmentada e a temática que aproxima o  contemporâneo do arcaico, mas através da qual  também sedimentou a orientação basicamente transgressiva dos costumes do seu tempo.
   
   Na década de 70, a transgressão foi reforçada pela descoberta do outsider Pier Paolo Pasolini, protótipo do intelectual-profeta que caminha nas frinchas do paradoxo. Dos poetas brasileiros, essa genealogia poética agregou as figuras de Murilo Mendes  - com seu surrealismo intenso, expontâneo e sensorial, ao contrário dos franceses intelectualizados - e Jorge de Lima, sobretudo aquele barroco, visionário e atormentado de “Invenção de Orfeu”. Os elementos finais da construção  poética de Roberto Piva evidenciam uma substancial ligação com o aspecto mágico.
   
   Suas constantes caminhadas xamânicas pela represa de Mairiporã  e serra da Cantareira, ambas nos arredores de São Paulo, além de Jarinu, no interior do estado, selaram sua ligação sagrada com a natureza.
Essa sacralidade é, para Piva, a única salvação possível ao mundo moderno, que colocou a destruição da natureza como parte do seu projeto consumista. No quadro da recuperação do sagrado e do mágico, enquanto forças da natureza, Piva passou a estudar e praticar o xamanismo. Para aprender o culto ao primitivo e às forças da natureza, foi buscar elementos não apenas em teóricos como Mircea Eliade, mas sobretudo nas culturas indígenas brasileiras e na prática do candomblé. Ele não só cultua seus orixás (Xangô,  Yemanjá e Oxum) mas também toca tambor para invocar seu animal xamânico, o gavião.
   
   Paralelamente a essa trajetória em direção ao sagrado, Piva agregou dois elementos ligados à civilização grega. Um: a ingestão de drogas alucinógenas e bebidas libatórias, como formas de atualizar a tradição dionisíaca e a transgressão sagrada do paganismo. Dois: o culto a uma erótica homossexual, resgatando para a modernidade o amor grego, como um componente de transgressão do desejo. 

Texto extraído da revista Agulha
ler o artigo a matéria original : http://www.revista.agulha.nom.br/ag38piva.htm

Leia  Paranóia de Roberto Piva


domingo, 6 de maio de 2012

Cine Santa Cecília - PUNTI LUMINOSI



Uma visão poética do passado paulistano, penetrando na intimidade do cine Santa Cecília, monumento dos anos 30 onde os meninos e as meninas sonhavam e seus papais, vovós... perdidos entre os deuses das telas e o próprio cenário de miragem, pontos luminosos num teto que mais parecia um céu.


Punti Luminosi
Por Roberto Bicelli

Na Av. General Olímpio da Silveira, nº 201 existia um circo & um palhaço. Trapezistas, engolidores de fogo, equilibristas & um cantor que tocava ao mesmo tempo gaita e guitarra & fazia TI RO LE RIIIK para a lua metálica & o verão cheio de pipocas.

Na Av. General Olímpio da Silveira, nº 215 havia um cinema com um dragão como luminoso & no teto, quando as luzes se apagavam, acendiam-se estrelas. Os bancos da sala de espera tinham elefantes nas extremidades & dois budas fitavam a sala com seus olhos verdes.

O circo chamava-se Circo Piolim e vocês sabem muito bem disso. O cinema era o Cine Santa Cecília e vocês sabem, é claro que sabem... Acontece que o circo e o cinema, por mais barroco que seja o poeta, são supérfluos.
E, por mais romântico que seja o poeta, o circo é anacrônico e os cinemas podem acabar. Mesmo que Buda nos fite no escuro, inda que tenham Dragões na fachada & as estrelas de cinema usem Lever ou Lux... Mas, por mais moderno que seja o poeta, ele não pode recusar-se a contar. Ele é mais curioso que o leitor...

Dê-me, pois tempo para terminar este almoço e esta sobremesa, espere um momento que já guardo o pente Flamengo no bolso traseiro de minha primeira calça comprida comprada no Mappin. Ela é larga o suficiente para que eu cresça e consiga fazer minhas pernas romperem as costuras. Esta meia Lupo azul-marinho é sensacional... A camisa é um pouco velha, mas o paletó, graças a Deus! Cobre bem o traseiro. Meto o pente no bolso interno do paletó (é mais distinto), testo o topete cheio de Glostora e, vamos em frente...

Como é bonita a linha que divide a sombra do sol lá fora. E como é forte esse sol! Vou pela Rua Lopes Chaves sem saber quem foi Lopes chaves ou Mário de Andrade. Dobro à esquerda a rua estreita que depois se alarga e tem uma casa no meio dela dividindo-a e onde mora o Sr. Nunca Ninguém Viu. Lá não tem luz, nem telefone, as janelas nunca se abrem e, no entanto, diz-se que lá mora um velho que inventou um corante para as balas Jujuba. Ele é careca, portanto forte, mora com duas irmãs que nunca vi, mas sei que são velhas brancas e fracas, não têm dentes e esperam a morte segurando um lampião comprido. Prossigo enfrentando os reflexos das vidraças partidas onde eu nunca atirei uma pedra.

Rua acima, à esquerda, um campinho de futebol e a molecada da rua de lá, que tem direito ao campo de cá, porque suas casas dão fundos com o lado de cá, embora a frente dê para os cortiços do lado de lá, onde moram aquelas pessoas que podem fazer mal às mocinhas e, eventualmente, aos meninos também.

No meio do campo, uma égua lustra-se ao sol de Domingo; em volta dela os meninos falam alto e gesticulam e os dois italianinhos gêmeos, aqueles que passam tocando caixa em latas, que cortam os cabelos à escovinha, que têm um aspecto tão azul-marinho e que sempre me pareceram ligeiramente epiléticos, estão mamando na égua, incentivados pela garotada. As tetas se alongam como as da loba de Roma, alongam-se mais e mais, e, ó cena olímpica! o Domingo vira do avesso! A égua é cavalo! A criançada espalhasse, satisfeita como lobos lascivos, quando o pai peso-mosca dos meninos agita os punhos sobre o muro e jura pelo Cristóvão Colombo, figlio di mignota, que vai matar todo mundo, principalmente a mim que continuei lá olhando suas orelhas de mosca pegando fogo.

O carcamano tinha uma escopeta, dizia-se, mas eu já estava atravessando a General Olímpio da Silveira e misturando-me à fila do Cine Santa Cecília. Essa fila que termina na Rua Conselheiro Brotero, exatamente do outro lado daquela enorme casa branca e alta que dizem... Essa é outra história e voltaremos a ela.

Passo pela bilheteria lateral (sempre fechada) e na esquina da General Olímpio, lá no alto, exorcizando esse vórtice mágico onde Santa Cecília, Higienópolis, Barra Funda e Perdizes se encontram, está o Dragão de ferro com as asas cobrindo a cauda demoníaca e uma estrela encimando-o onde se lê: Cine Santa Cecília.

Se Cecília, como diz o Almanak, quer dizer cega, que olhos extraíram do puro sonho essa arquitetura? Que alma pulsou sobre aquele espaço e disse: “Aqui ficará o Dragão e aqui esta cúpula que deverá ser plena e humana como o ventre da mulher?” Quem traçou a rigorosa teoria de eixos disfarçada por essa casca, que consegue transformar uma esquina banal num encontro com a eternidade? Ele também nasceu de mulher. Seu nome é: Álvaro de Salles Oliveira (engenheiro). Um nome tão real quanto Fernam Garcia Escaravunha ou Joan de Cangas. Foi ele que gravou: - Álvaro Fecit.

Ele sabia que, nessa tarde de 1956, o calor era forte e precisávamos sair instantaneamente dessa luz que expõe nossa mortalidade e entrar nessas *abóbadas de ópio e hashish que nos afirmam eternos. Essas abóbodas: três na sala de espera e a grande abóbada da sala de espetáculos. Em 1973, escrevi: As abóbadas / abobadas / viram-se / dependuradas / nas abóbadas / das abobadas. Dois anos depois encontrei um título (via Sêneca): Apocoloquintose (a transformação do “divino” Cláudio em abóbora). Hoje escrevo isto tudo porque detesto mistérios.

A bilheteria do cinema, consegui encontrá-la num depósito na Av. Celso Garcia. Os bancos da sala de espera (com elefantes nas extremidades), encontrei-os acolá na mesma avenida. Atualmente sobrevivem num cinema da Penha. As conchas marinhas do teto, na casa de um burocrata da sétima arte transformadas em abajur.

E a ideia de procurar o Dragão e colocá-lo nos portões de uma casa com enormes jardins e, para habitá-la, uma loira de vestido justo que me abandonaria partindo todos os espelhos, tirei do Orson Welles. Mas naquele tempo eu ia ao cinema e não tinha nenhum livro e tudo que eu dizia tinha o som dos saudáveis jacarés do pântano. Eu nunca sentia que Fernando Pessoa dizia comigo: “no tempo em que festejavam o dia dos meus anos eu era feliz e ninguém tinha morrido”. Ou Mallarmé: “A carne é triste e eu já li todos os livros, todos”.

A sala de espera tinha espelhos e colunas encimadas por elefantes de marfim e, já disse, três abóbadas com conchas e elementos florais. E se esqueci, nessa tentativa de descrever de fora para dentro, de dentro para fora se via a rua com a luz filtrada por treliças de madeira que me faziam merecer tantas odaliscas quanto os vizires que logo mais seriam envenenados pelos ministros de olhar rapace. Descarnemos um pouco esta descrição, que nunca chegará a Nouveau Roman e copiemos a nós mesmos quando em 1975 escrevemos:

“É um grande recinto em desnível, a plateia é uma laje inclinada, há um mezanino com suporte lateral, onde estão os camarotes (solução clássica). Exatamente no decór é que o Cine Santa Cecília se transfigura. Esse decór minucioso e fantástico que o arquiteto Joseph Pitillik aplicou-lhe. Os elementos decorativos da fachada contribuem para isso, basta observar o Dragão sobre a esquina da Rua Conselheiro Brotero. Ao entrar no edifício, a grande sala de espera aumenta a sensação: bancos de quatro metros, com elefantes feitos em madeira entalhada nas extremidades, as abóbadas extremamente trabalhadas em estilo oriental, as luminárias: conchas de vidro colorido, os espelhos, as colunas com cabeças de elefante, as arcadas com painéis estranhos lembrando mesquitas ou templos muçulmanos, mas daquela arte que na realidade os árabes levaram para o Norte da Índia. O painel desenhado na arcada esquerda tendo ao pé o bronze de uma mulher em posição de meditação é bem característico disso. É evidente que se trata de uma obra eclética, onde encontramos desde motivos florais até elementos geometrizantes. A grande abóbada de inspiração zenital contribuía decisivamente para criar um ambiente de sonho no interior do cinema. Possuía estrelas de 160 a 60 centímetros de diâmetro, iluminadas desde o interior, que se acendiam progressivamente enquanto o cinema escurecia para o início da sessão. Graças a exaustores colocados no recinto e à permanência da iluminação das estrelas, tinha-se a impressão de estar-se ao ar livre. Graças às figuras de bronze ao lado da boca de cena que permaneciam com as pupilas iluminadas durante a projeção e aos efeitos mágicos da abóbada, estávamos em plena viagem pela Slumberland. O efeito quase hipnótico conseguido é atestado pela permanência na memória das pessoas...”

Foi lá que a garota que eu amava trouxe uma amiga muito mais bonita que ela para sentar comigo e foi sentar com meu melhor amigo – o que quase me matou de ciúme. Para lá foram as três costureirinhas de Mário de Andrade. Desse cinema falou Guilherme de Almeida. Lá, ele presume, encontraram-se Oswald de Andrade e Mme. Rollah num dia de chuva oblíqua e dissimulada. Por lá passava o bonde Penha-Lapa, que eu sempre detestei, pois meu herói era o Barra Funda 12 ou 13, o Vila Buarque e o misterioso Rubino de Oliveira.
Lá aconteceram tantas coisas que minha imaginação fatigada recusa-se a liberar e minha memória machucada evita projetar. Ezra Pound e Eça de Queiroz, juntos, lançaram daquela esquina imprecações contra todos que afirmam que Greta Garbo é melhor que Monica Vitti, que Totó não é o melhor cômico do cinema, que Roberto Piva não é o maior poeta brasileiro, que Muhammad Ali se chama Cassius Clay, que a palavra escrita não é a mais fascinante das artes, que Lex Baxter não foi o melhor Tarzan.

Se existisse o Cine Santa Cecília seria o melhor contraponto para um filme de Tarantino, a melhor solução para aquela encruzilhada. Como ele foi destruído pela dentadura de ferro do “progress” e como ninguém pôde ou quis impedir, hoje ele é um crediário de pneus embaixo do Elevado Costa e Silva, popularmente conhecido por Minhocão. Sua terra amarela e maldita, e nela nunca nada existirá para sempre. Há anos Hermes Macedo mandou destruí-lo, há anos ordenaram a Piolim que abandonasse o circo e o desmontaram. Desde então, os dois espaços lá estão: inúteis, desolados, malditos. A casa branca, em frente ao cinema, que tem uma estranha história, é hoje um posto de gasolina. Piolim morreu pobre e sem circo. De que vale uma medalha no peito e o nome numa rua (é claro que essa rua existe). Um palhaço quer um circo, espaço sagrado, elo entre o Homem e o Sonho.

Diga-se dos donos de São Paulo, que carregam tanta culpa, que eles despojaram, humilharam e entristeceram seu maior artista de circo, que eles destruíram um cinema maravilhoso e por anos não tiveram imaginação para construir nada em seu lugar. Que eles nunca farão, isso eu vejo claro como o dia, nada que dure onde existiu um cinema protegido por Santa Cecília e um circo que pertenceu ao querido Piolim.

Este texto é o desenvolvimento poético de uma tese minha que afirma existirem na paisagem urbana elementos que se transfiguram em totens. Ao serem destruídos, tornam maldito o espaço que ocupavam.

Agradecimentos: Arquiteto Júlio Katinsky e Maria Helena Flynn

Pesquisa realizada durante o curso de Pós-Graduação "Art Deco no Brasil", dado por Aracy Amaral ECA/USP 

Texto Publicado na revista "Cidade" nº 4, 1996

sábado, 5 de maio de 2012

Castelinho da Rua Apa



Uma edificação como esta há mais de 70 anos sem restauro,  só pode ser vítima de uma maldição de família.  Além de ser um caso não esclarecido, conta ainda com as distorções do tempo e inevitáveis alterações de dados que o "boca a boca" causa em qualquer história. Aqui vou tentar resumir essa história tão cheia de mistérios, para não correr o risco de propagar mais uma versão equivocada dos fatos e informações carregadas de sensacionalismo a fim de enriquecer o texto.  Se for do interesse do querido leitor, recomendo se jogar no papai Google e escolher a versão que mais lhe agrada do famoso ”Crime da Rua Apa”

  O Castelinho começou a ser construído por arquitetos franceses em 1912 a pedido do médico Vicente César  dos Reis, e ficou pronto em 1917, como um presente a sua mulher Sra. Maria Cândida Guimarães dos Reis, Dona Candinha. Com quem tinha dois filhos, Armando e Álvaro.
  A rica família que tinha o hábito de oferecer festas para a sociedade, também era proprietária do Cine Teatro Broadway, na Avenida São João, 566 - inaugurado em 1934 com uma grande cúpula de cristal, onde em 1935 foi lançada a grande novidade do ar condicionado em São Paulo.
  O Sr. Vicente César, faleceu em Março de 1937, dizem que após o  falecimento do pai, os filhos Armando com 43 anos e Álvaro com 45, que na época não residiam mais na casa dos pais, discutiam os futuros dos negócios da família e não entravam em consenso.
  Álvaro, de espírito aventureiro, que acabara de regressar da Europa com ideias ousadas, pretendia transformar o Cine Teatro Broadway em um ringue de patinação, mas o irmão mais novo, Armando, de espírito “sonso” discordava, pois já existia um ringue na cidade.
  Enfim, cheguemos aos fatos, no dia 13 de Maio de 1937, dois meses depois do falecimento do Sr. Vicente Cesar, foram encontrados na mansão, mortos a tiros, os dois irmãos e a mãe. Não se sabe o motivo, e quem disser que sabe, mente, pois as únicas pessoas que viram o que aconteceu morreram. A partir daí, a polícia que investigou o caso concluiu que Álvaro, que era o mais fanfarrão da história, teria atirado na mãe por acidente com 2 tiros nas costas (ãh? acidente com 2 tiros?) por tentar intervir na briga, depois atirou no irmão e depois se suicidou com dois tiros. (Ãh? Suicídio com dois tiros subestima demais o Tico e o Teco).
  Existe uma versão da dona que foi namorada do Álvaro na época,  Dona Baby, que jurava que seu amado era um anjo de pessoa e que o assassino era o Armando, seu cunhado dissimulado. Devota de seu eterno amor, dizem que depois do incidente, ela foi todo mês (é, todo mês) no cemitério da Consolação levar flores pro falecido, de 1937 até o fim de sua vida, em 1988. Gente, quanta flor!

  Técnicos e legistas acham que o assassinato teve um quarto elemento envolvido pela forma como os corpos foram encontrados, lado a lado. Enfim, existem tantas possibilidades dentro deste crime que eu gostaria de fazer um minuto de silêncio para agradecer ao advento das câmeras de segurança que temos hoje.
  Como os dois irmãos não tinham filhos, e na época Getúlio Vargas havia assinado uma lei que não permitia que herdeiros de segundo ou terceiro grau (sobrinhos, primos, etc) se apropriassem dos bens da família, então o Castelinho, assim como o Cine Teatro Broadway ficaram para a União, que locou a casa para outros moradores nos anos seguintes. Porém com a construção do minhocão, em 1971, o imóvel, assim como vários outros da região, perdeu potencial de investimento, e foi abandonado, levando-o à rápida e total deterioração em que se encontra.
  Atualmente, o Castelinho está sendo administrado pelo Clube das Mães do Brasil que ocupa um imóvel ao lado. A instituição já possui projeto de restauro do local e o castelinho já está inclusive coberto com lonas e tapumes, mas a obra aguarda patrocinadores e incentivos para seguir adiante. As sólidas estruturas da construção são os principais aliados do imóvel, que resiste bravamente.
 O imóvel foi tombado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo)  em dezembro de 2004.  Em 2009 a Justiça decidiu que a União deve preservar e reformar o imóvel, e o orçamento estimado da obra de restauro tende a passar de R$5 milhões.
  O estado de deterioração em que o imóvel se encontra consegue ser mais chocante do que o crime que ele sediou a 75 anos atrás. Alias, o abandono de toda a Rua Apa, compõe um cenário perfeito para o elenco da cracolândia e estampam a "cara de interessados" dos nossos governantes. É uma vergonha, mas acho que só um projeto privado pode salvar o Castelinho!

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Santa Feira do Largo


colaborador: DrooDroo http://drocome.blogspot.com.br)

Domingo de manhã, abro os olhos mas não consigo me mexer, “a ressaca hoje vai ser mesmo de doer”. Procuro olhar para mim e conferir se não tenho nenhum machucado, ou membro faltando. Relembro flashes da noite anterior; ninguém morreu, não fui preso, gastei uma fortuna, tudo bem estou inteiro, são e salvo em casa... Não! Eu tenho que levantar e sair daqui agora mesmo. Hoje é dia de Feira. Já devo estar atrasado e dificilmente perco uma feira do Largo da Santa Cecília.

Onze e meia da manhã de um domingo qualquer. O sol nessa época, a essa hora, é realmente de rachar, procuro me esconder dele de qualquer forma, sinto uma forte dor de cabeça, meu corpo está exausto e minha boca seca como a vida em um defunto. Venço passo a passo a distância de 300 metros entre minha casa e a feira do Largo. Sofro cada centímetro. Apesar do desconforto essa igreja, esses mendigos, sempre me trazem lembranças da infância e da minha adolescência rebelde.

Freqüento essa feira com minha mãe desde meus 7 anos. Me lembro que aqui tinhas duas feiras, uma de sexta feira (a única a noite) e outra de domingo. As duas eram em baixo do Minhocão (Elevado costa e Silva) Aonde hoje é um terminal de ônibus. A feira de sexta não existe mais, sinto muita falta de uma
barraca de fogazza que tinha nessa feira e eu nunca vi mais em lugar nenhum. Hoje em dia, acho que pela sujeira e por ser no meio da ”casa” de alguns moradores de rua, a prefeitura resolver passar a feira de domingo, para a rua de frente do Largo da Santa Cecília. Agora ela começa na Rua das Palmeiras e vai até
o final da Rua Sebastião Ferreira. Ficou mais bonita ao ar livre, e acho que mais limpa também. Mas isso nunca foi o mais importante pra mim.

Nada mudou em relação a democracia forçada que permanece nela; onde a classe média se esbarra com os “dingos”, bêbados e pedintes. Um pede o pastel, outro dinheiro pra comer, outra dinheiro pra comprar remédio... Aff! as vezes o clima fica tenso. Senhoras com suas sacolas e carrinhos disputam espaço em meio a loucura de sabores da feira. Já vi gritaria e corre e corre nesse choque de classes mas isso faz parte da emoção.

As cores, cheiros (bons e ruins) e barulhos, vão me deixando cada vez mais excitado, me preparando para mergulhar nesse mar de gente. O barulho está levemente mudado, pois agora existe uma lei que proíbe os feirantes de gritar, mas eles dão um jeitinho de soltar uma piada pra gostosa, tirar uma com a cara
de algum desavisado e exaltar a qualidade do seu produto, apesar de na sua maioria virem do mesmo lugar (CEASA).

Uma feira como outra qualquer... Não para mim. Grande parte dessas pessoas que fazem a feira e as que trabalham nela de domingo, já freqüenta aqui de longa data e me são tão familiar, como a senhora das flores que me viu crescer carregando todas as flores que minha mãe conseguia comprar na hora da xêpa, o mal humor do vendedor de bananas que sabe que vou pechinchar e querer umas pra comer agora e outras pra comer daqui alguns dias, ou da Kombi que conserta panelas e afia todas meus cortadores de unha na mesma pedra que afia as facas das donas de casa, sempre me sorri com alguns dentes faltando, dentes que vem diminuindo a cada ano que passa. Tem também as japas do pastel que me chamam pelo nome e puxam conversa sobre minha mãe e que eu explico toda vez que ela já não mora mais no bairro a anos, mas elas nunca se lembram.

Minha ressaca e sede me fazem sorrir paras japas do pastel com uma simpatia cortante e delicada, que se faz entender em; um pastel de queijo pelo amor de Deus. Peço um litro de garapa gelada com limão na barraca ao lado, e levo pra me sentar a sombra na barraca do pastel, perto das pimentas e dos vinagretes,
proibidos pela lei de acordo com as subprefeituras de alguns bairro. Não pode. Mas eu adoro, e aonde eu compro meu pastel sempre tem. Em especial um vinagrete muito apimentado que me faz suar e sentir arrepios. O queijo derretido, a massa crocante, o vinagrete apimentado me enchem de emoção e nostalgia. A garapa, faço questão de tomar o litro todo ali mesmo, no próprio gargalo como se não houvesse nada melhor no mundo. O açúcar começa a correr novamente em minhas veias, o nível de glicose aumenta a tremedeira diminui e eu já estou pronto para “feirar”....

Sigo de uma ponta a outra da feira todas as vezes, mesmo que não tenha a intenção ou dinheiro pra comprar mais nada. Gosto muito de passar pelos peixes e carnes do outro lado da feira, ver os pescoços de galinha ao lado da grande peça de fígado de boi, esperando pra ser cortada de acordo com o gosto
do freguês, e tudo o mais arrumados com bastante esmero, tentando chamar a atenção da clientela, sempre dou uma olhada em quanto está o preço do vôngole, acho uma delicia conversar com o feirante dos temperos e fazer um blend especial de acordo com meus gostos ou comprar ovos caipiras e legumes
orgânicos na “barraca dos sem agrotóxico” essas coisas também fazem parte das minhas tradições, criada ao longo de muitos anos. Conheço e sou conhecido em minha feira, a considero minha. Porque ela faz questão de me cativar me fazer lembrar de um tempo em que eu via essas barracas de baixo com um misto
de curiosidade e timidez, e de todas as vezes que cheguei direto das noitadas com a boca salivando, e passava direto na feira antes mesmo de voltar pra casa. CATIVAR leva tempo.

O Nosso amor tem altos e baixos, eu sofro quando chego e já está na hora de desmontar as barracas, fico puto quando alguma velinha passa o carrinho de feira em cima do meu pé e nem pede desculpa, é muito triste ver tantas pessoas necessitadas mendigando na feira, mas amo quando começa a chover e todo
mundo corre vira tudo uma grande bagunça e o preço dos produtos despencam, essas coisas marcam a minha vida e minhas lembranças. O que te faz tão especial ó Feira do Largo da Santa Cecília, é o fato de morar em meu coração e fazer parte do meu cotidiano ela me viu crescer e eu a vi se transformar. Eu tive
paciência com ela assim como ela teve comigo, Gosto de dela assim, com todos os pormenores.

Já recobrados os sentidos começo a reparar; nossa como tem mulher bonita fazendo a feira por aqui hoje.

(mais posts do Rafael em Drocome: http://drocome.blogspot.com.br)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Espaço Retrô


 A Santa Cecília, além de todos os seus méritos, tem o privilégio de ter sediado entre os seus domínios o Espaço Retrô. Era uma das casas noturnas mais undergrounds da história da noite paulistana, isso quando a palavra "underground" ainda era restrita a uma pequena parcela de clubes obscuros, pessoas malditas e espeluncas.
 A casa que teve uma boa história e supriu todos os desejos dos fãs do The Cure. Se sustentou na Santa Cecília aos trancos e barrancos de 1988 até 1998, praticamente sem cobrar entrada. 
 Teve dois endereços no bairro, o primeiro na Rua Frederico Abranches, atrás da Igreja da Santa Cecília, onde hoje é um estacionamento com entrada pela Rua Dona Veridiana, o segundo abriu em 1995 na Rua Fortunato, onde hoje funciona uma serralheria. 
 Em sua primeira fase, fim dos anos 80 e começo dos 90, o Retrô era frequentado por góticos, rockabillies, metaleiros, punks, skatistas, guitars e outras espécies raras que já devem ter sido extintas, vinham de todas as partes da cidade, e frequentemente enfrentavam a desagradável aparição dos Carecas. Acho que não tem quem tenha ido ali e não tenha presenciado uma "treta". 
 Era um período de transição na cultura musical da cidade, uma época em que as tribos eram mais seccionadas e muito mais fiéis a seus movimentos. Hoje em dia vivemos num cenário heterogêneo, roqueiros frequentam a festa Santo Forte para ouvir música brega. Nos anos 80 e 90 não tinha isso não. Era uma época em que ser DJ não estava na moda, e por isso a programação do Espaço Retrô tinha os shows ao vivo como carro chefe da programação, com no mínimo um show por noite, de Quinta a Domingo. 
 Foi  berço de bandas importantes do rock underground  que surgiram na mesma época, como: Pin Ups, Ratos de Porão, Mickey Junkies, Soul of Honnor, Killing Chainsaw, Cold Turkey, Burn, Garage Fuzz, The Charts, The Kuhlmans (MZK), Againe, IML, P.U.S Anjo dos Becos, De Falla, Loop BYo Ho Delic, Volkana, Okotô e outras mil. A frequência também não deixava a desejar, Nick Cave, Jesus and Mary Chain e Peter Hook já foram fazer turismo por lá.  

 Na segunda fase, em 1995, após se mudar para a Rua Fortunato, o Espaço Retrô, que não abria mão do estilo decadente de ser, manteve a mesma proposta intensa de shows, mas desta vez contando com um casting maior de DJ's que apostavam na nova geração musical de rock americano dos anos 90 e traziam para a pista do Retrô o mais fino do guitar band e também rock anos 60 e 70. Os punks e rockbillies ficaram cada vez mais raros e os skatistas e mods agora representavam a maioria. 
 Roberto Cotrim, o proprietário fechou suas portas em 1998, deixando muitos órfãos que migraram para a Torre do Dr Zero, para o Madame Satã, Borracharia, Hangar, Matrix, Hells (na época no Columbia) e até pro Templo Hare Krishna na Av. Angélica. Parece que o Retrô reabriu em 2002, em 2004 e em 2010, mas não convém agora. Esse post vem apenas falar dos tempos áureos e desglamourizados do Retrô na nossa querida Santa Cecília!
 Quase tudo o que veio depois dele na cena underground é para beginners, quem sobreviveu sabe!







terça-feira, 1 de maio de 2012

Minhocão


 Para abrir os trabalhos deste blog que vem contextualizar um momento artístico no bairro Santa Cecília, nada como começar pelo emblemático Minhocão (dispensa descrição, né?).
 Ao contrário do que muito se lê por aí, não pensei em tratar aqui do minhocão que atingiu a Santa Cecília como um equívoco urbanístico,  nem abordá-lo de nenhum ponto de vista pessimista, ou partidário. Ou como aquela maldição que assola o centro e que com a graça de deus será demolido em 10 anos.  Não me cabe discutir aqui as políticas urbanas da cidade e nem é esse o objetivo do projeto Santa Cecília, Santa Insone.  
Mas como não dá pra ignorar uma minhoca gigantesca passando em cima da sua cabeça ou em baixo da sua janela, a comunidade vem incorporando artisticamente o minhocão de formas muito variadas.
 O grafite foi totalmente sacaneado pelo Kassab que pintou os pilares com uma tinta “antipixação”, na verdade a tinta não impede que o pixador pixe os pilares, mas ela permite que a tinta saia com água e sabão. Algumas pessoas consideram isso uma coisa boa, porque teremos mais paredes brancas para grafitar de novo, tendo um fluxo maior de grafites.  Mas acho que os grafiteiros não pensam assim, pouquíssimos grafiteiros ousaram pintar sobre a tinta.  E agora que o Kassab sacaneou a cracolândia que migrou para baixo do minhocão, nem grafiteiros e nem pixadores tem dado as caras por lá. 
 Mas o grafite não é a única forma de ocupar o Minhocão, achei algumas boas intervenções artísticas que utilizam o Minhocão como suporte.

- Jardins Suspensos da Babilônia – Curta Metragem Concebido por Felipe Morozini, dirigido por Jeorge Simas, e com trilha do Hurtmold

- Projeto Gerar Dor, 5ª edição com show da banda The Tries (excelente banda) e com a presença da polícia :P

- Clipe da música "Quadro Inacabado de John Bidlake" da banda Naaxtro Springfield, dirigido por Fernando Bellia.

- Video do bloco de carnaval Agora Vai, bloco que há 8 anos comemora o carnaval no minhocão.  Família, dirigido por Bruno Nakano


- Video da banda Bicicletas de Atalaia
Video performance da Artista Lia Chaia
http://vimeo.com/19603829

Resumo:  O Minhocão está para você, assim como você está para ele!